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FLIP: Sobre livros, pedras e mar


A Festa Literária Internacional de Paraty de 2020 teve que se adaptar à pandemia do coronavírus e toda a programação do mais badalado evento literário brasileiro será virtual. Do dia 3 a 6 de dezembro, as mesas de conversa entre autores, críticos, editores, lojistas, entre outros convidados, serão transmitidas em plataforma própria e pelas redes sociais da Flip e seus parceiros.

Saída encontrada pela organização para manter a festa viva, mesmo que a edição on-line não tenha nem de longe o calor dos encontros presenciais fervorosos e o frisson provocado pelo desfile de celebridades e figuras das mais diversas pelas ruas de pedras da histórica cidade carioca, cercada por matas, montanhas e mar.

Nem só o mercado da literatura irá sofrer consequências financeiras com a mudança de formato da Flip. A festa existe há 18 anos e é uma importante força para a economia local, que certamente irá sentir o baque provocado pela falta de consumidores no comércio e hóspedes no setor hoteleiro. E, olha, é muita gente que circula na cidade durante esses dias.


Ano passado, eu acompanhei de perto a 17ª edição da Flip e te digo, é uma loucura. Haja folego e energia para "tentar" acompanhar tantas palestras, lançamentos de livros, protestos políticos, manifestações em defesa geral, fora os restaurantes, barzinhos, lojinhas e praias, óbvio.


Confesso que eu penei naqueles gelados dias de julho, como relato na crônica abaixo, que escrevi no meu retorno à Brasília:

FLIP 2019

O elenco de convidados é estelar e as filas para ouvi-los, gigantescas. Os ingressos para os principais nomes escolhidos pela organização foram vendidos com antecedência, pela internet e se esgotaram em poucas horas. Com alguma sorte, dava pra adquirir uma entrada de última hora. Eu consegui. Na verdade, estive em apenas duas das mesas realizadas na nave-mãe. E em alguns dos infinitos encontros que pipocavam por toda a cidade e arredores.


Confesso que a minha primeira vez na Flip foi caótica. Não tinha ideia da dimensão do evento e não me organizei o suficiente para o enfrentamento. A Flip é para os fortes. Eu sou, mas divaguei e dancei. Já estive em Paraty diversas vezes, a passeio. A cidade agora era outra. A começar pelos preços exorbitantes cobrados pelos restaurantes e pousadas. O quarto que eu fiquei, por exemplo, não valia nem metade do que eu paguei. Instalação decadente, estilo fantasmagórica mesmo. Ok, segue a vida. Os dias foram de sol bacana, tranquilo, mas à noite caia um frio, um frio, de torturar a alma. E naquele quartinho então, onde também tive que encarar pesadelos fora do roteiro... 


Tênis pelo menos eu levei porque escalar aquelas pedras do centro histórico é brincadeira não. O medo de escorregar ou torcer o pé, me obrigava a caminhar lento e tensa. Ainda tinha que desviar da corrente humana que lotava as ruas. Resultado: chegava atrasada em tudo que me interessava. Perdi muita coisa legal por causa da desorientação que tomou conta de mim. Eu tentava me guiar pelo mapa oficial com a localização dos eventos, porém não rolou empatia entre nós.


Meu destino me levava para o lado oposto. O que também me reservou ótimas surpresas. Como o recital de poetas da Cidade de Deus, o que mais me emocionou nessa viagem. De extrema beleza foi ainda a dança ancestral das meninas do Quilombo do Campinho. Fortaleza. Já as crianças indígenas em pé nas esquinas das noites geladas, improvisando ritmos em troca de moedas dos turistas, era cena deprimente. Seres invisíveis num cenário de mentes brilhantes debatendo as mazelas do Brasil. Crueldade.


Vi de perto a agressiva manifestação de um pequeno grupo de apoiadores do governo Bolsonaro, contra o jornalista Glenn Greenwald, que chegou num cinematográfica esquema de segurança (pelo mar) para falar num barco atracado no canal que corta Paraty. O palco fazia parte da Flipei - Festa Literária Pirata das Editoras Independentes, evento paralelo à Flip. Na margem oposta, esse pessoal atirava fogos de artifício em direção ao barco. Sob a proteção de policiais militares. O som estridente e ininterrupto do hino nacional, intercalado com a popular Pavão Misterioso, tentava abafar os discursos no Pirata. O risco de um perigoso tumulto era grande, centenas de interessados em ouvir o jornalista se aglomeravam na área próxima ao barco. Mas apesar da provocação, o clima do lado de cá era de paz e o protesto encomendado caiu no vazio. 


Foram apenas cinco dias na cidade, mas cada dia rendeu 50 horas, tamanha intensidade. Em meio a tantos imprevistos, surgiram encontros improváveis e bons papos com velhos e novos amigos; me encantei com o balcão de um wine bar fofo, que além dos bons drinks, tem sanduíches maravilhosos; E graças a Deus comi o camarão na abóbora do restaurante baiano mais charmoso do RJ, o Raiz de Sol, das queridas irmãs Teles; e adivinha o que não podia faltar de jeito nenhum na temporada? Que amo mais que poesia e vinho? Banho de mar, é claro! Fugi, e fugi mesmo, para a ilha do Cedro, na lancha veloz do velho marinheiro, seu Pipi. Duas vezes. Um paraíso para poucos. Ponto.


A minha primeira Flip foi exaustiva? Foi. Pularia alguns episódios? Sim. Valeu à pena? Claro! “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena (Fernando Pessoa)”.





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