Toma conta de mim a velha que está por vir.
Converso animadamente com quem nunca vi antes:
na fila do supermercado
na espera da consulta
com a vendedora da loja.
Com o vigia do prédio, comento sobre o tempo toda santa vez que nos encontramos:
“- E a chuva lá fora?”
“- O calor tá demais, hein!”
Se fico uma semana sem vê-lo no posto é certo eu perguntar: ”- Estava de férias?”
Depois, viajo no elevador rindo sozinha.
A velha que está por vir me ronda diariamente. Posso até não lembrar mais da minha idade, do meu nome... mas jamais esqueço de levar o copo d’água fresca todas as noites para o quarto. Deus me livre e guarde de acordar com sede no meio da madrugada e não ter um copo pra me socorrer.
Dissimulada, a nova velha fala coisas sérias, gracejando da vida. Quando digo para fulano que ele é um chato, porque de fato o acho chato, deixo no ar a dúvida cínica se estou sendo sincera ou se estou apenas brincando. Velha esperta, assim ela evita discussões. Como uma boa velha, perco a memória com a maior facilidade. Esqueço as tristezas num triz. Os segredos que ouço se apagam em dez minutos. Os compromissos enfadonhos se evaporam da agenda. Pagar conta no dia certo agora é raridade, calendário virou sopa de numerinhos.
Pena que momentos sagrados também se apagam com o tempo!
A velha que já me habita sabe muito bem o que é felicidade, ela viveu o suficiente para decifrar os desafios do coração: amor, paixão, atração, tesão, sedução... é tudo a mesma coisa.
O desafio da velha agora é manter lento o ritmo da caminhada rumo ao tempo que ainda lhe resta. E a tempo de conseguir amarrar a eternidade aos pés da sua cama.
*A VELHA EM MIM, do livro Meu Reverso
Comments